Cartas aos Curumins (5) O ano que não começou…

Abril de 2020

Então…

Escrevo desde minha casa, em Cartagena, Espanha.

Estou confinada em meu apartamento desde o dia 13 de Março.

No início de 2020, tivemos a noticia de que um vírus novo de gripe estava se expandindo pelo norte da China. Depois soubemos que o país havia isolado a região e confinado as pessoas da cidade para evitar a infecção em massa, dificil de controlar e atender. Chamaram de Epidemia pelo Covid19.

A China começou a construir dois hospitais imensos, em 10 dias.

Aqui no ocidente as pessoas não entenderam. Acharam que era para mostrar ao mundo sua riqueza.

Tóin…

Muitos erros cometemos… esse foi só o primeiro.

Assistimos o enorme pais industrializado fechar aeroportos e cidades. Mostrar hospitais repletos de gente e médicos vestidos de astronautas, que não estavam dando conta dos doentes. Médicos de todo o país se deslocaram para o lugar do foco da doença…

Enquanto isso, estávamos olhando a lua, passeando de uma lado para o outro… recebendo equipes de football chineses, mantendo feiras internacionais, etc… ( Viva o mercado! Viva o dinheiro!)

Quando o bicho chegou ninguem viu… Tenho uma amiga que teve uma pneumonia ¨atípica¨em fevereiro, e nem testes fizeram para saber se era o vírus novo. Era, mas ela não soube… e quase morreu.

A Itália seguiu em festas e eventos, mesmo já contaminada. A Espanha convocou até uma manifestação 5 dias antes de entrar em ¨ESTADO DE ALERTA¨. A Inglaterra seguiu em frente, como se nada, escutando um Primeiro Ministro que disse às pessoas que ¨aprendessem a se despedir de seus queridos¨, até que ele mesmo pegou a doença. Nos EUA, o laranjão disse que não podia parar a máquina e que daria 1000 dólares a cada americano , para usar na cura da sua doença. Os americanos foram comprar armas. No México o Presidente mostrou um santinho da Virgem que salvaria o país e aí o vírus não entrava!

No Brasil, o Presidente disse que era só uma gripezinha de nada. ¨Todos para a rua…

…e disse isso ontem.

Depois que todos os outros países já somam milhares de mortos e doentes e não saibam como controlar a doença sem usar o isolamento radical , pelo menos enquanto ela se expande, para ralentizar o contágio e poder atender a todos, diminuindo as mortes por falta de hospitais e médicos.

Pois é…

Depois de cancelarem tudo o que ia acontecer neste semestre (em Veneza se cancelou o Carnaval), em Março o mundo parou. As ruas das cidades ficaram vazias. Uma imagem inusual e inesperada, em pleno século XXI. A Epidemia havia se transformado numa Pandemia.

E eu estou aqui, pensando em vocês, meus netos. Que merda de planeta estamos deixando para vocès!

Ainda não consigo pensar no que vai ser do mundo depois dessa Pandemia do Corona19. Leio algumas pessoas otimistas para a criação de outro tipo de sociedade, mais horizontal, mais solidária, mais preocupada com o todo…

Também leio os pessimistas que dizem que vai piorar muito. Que será a lei do mais forte, seleção natural. Ninguém cuidar de ninguém.

Eu não confio no ser humano. Ele é destrutivo. Mas acho que vamos ter que mudar a forma de ver a sociedade. Agora, se eles morrem, voce também morre. E talvez, você tenha que cuidar deles para não morrer. Não por amor a eles, mas para sobreviver a eles.

Ainda não sei o que pensar. Só sei que quero sobreviver… quero estar com vocês o máximo de tempo que meu corpo e minha mente permitam…

Eu vou fazer a minha parte. Deus, que é meu amigo, vai cuidar da outra.

E eu espero ver vocês em breve.

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Um ano, um vírus.

Pois é….
2020 não veio brincar de “vamos ver quem aguenta mais sem respirar”…
Ele já começou roubando no jogo. Mudando as regras, criando atalhos, mudando hábitos e ilusões, prendendo a gente em casa, sem beijos nem abraços dos mais queridos, sem poder sequer ver os filhos e netos.

Eu, que não gostei jamais dessa brincadeira de ficar sem respirar, fiquei no modo “devagarzinho” para sobreviver da melhor maneira.
Da minha janela vi o mundo inteiro adoecendo e muitos morrendo, as cidades vazias, as ruas desertas, as portas fechadas, as janelas guardando histórias e medos.

Fui murchando. Fui secando…

Pouco a pouco…

Numa ultima tentativa, a cada manhã eu me via prendendo a respiração e sonhando em driblar o bicho, viajar na surdina, aterrisar na cozinha do Mexico, tomar café da manhã com meus curumins…

Ele não deixou. Ele ainda não deixou. Quando viu que eu chegava mais perto de realizar meu plano, começou mais forte e mais virulento, de novo a matar e prender…

Estou respirando devagarzinho… sobrevivendo. E agradecendo, porque tem um bocado de gente que não está conseguindo.

Tenho agora o privilegio de estar entre dois mares, num povoado pequeno, esperando a vacina chegar.

Nesse cantinho, ao sul da Espanha, meu coração se expande para abraçar a todos os que estão sofrendo e lutando para superar os medos, as dores, as perdas…

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Distâncias…

Sinto tanta falta do ar, das ruas frescas de Cartagena pelas manhãs, de ver os velhinhos empurrando seus andadores, sozinhos e seguros pela cidade.

Cartagena 2020

Sinto tanta falta da liberdade de ir e vir. Esse era um dos motivos mais fortes para gostar de viver aqui. A liberdade segura das ruas. Acabou.

E não sei quando vai voltar, nem sequer se vai voltar. A rua não é mais segura para ninguém e menos para mim. A juventude já vai longe e minha idade está taxada como ¨grupo de risco¨, isso significa a possibilidade de não sobreviver ao Covid19.

Meu médico morreu.

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Recuperando o Blog!

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Cartas aos Curumins. (4 ) Boas notícias!

Cartagena, 25 de Agosto de 2018
 
Meus Curumins, 
Dois anos se passaram desde que escrevi a última carta. Isso não quer dizer que eu tenha deixado de pensar em vocês. Escrevi muitas vezes, nos silêncios das noites insones, mas as idéias ficaram só na cabeça. Não me saíam daí como palavras escritas.
Escrever é uma forma de expressão linda e gostosa, mas obedece um ritmo que depende de nossos momentos. Claro, se a gente escreve por profissão, se esforça mais. Se é por vontade própria, não. E eu passei um bom tempo sem poder escrever sobre nada.
Nesses dois anos muitas coisas passaram em nossas vidas. Conseguimos comprar uma casa e montá-la ( já pensando em ver vocês brincando e aproveitando dela), e  esse foi um assunto que nos ocupou por mais de um ano. Também enfrentamos graves problemas de saúde na nossa família e muitas tristezas pela situação política do Brasil… muitas, muitas tristezas.
Mas agora uma enorme estrela se acendeu no céu da minha vida! Um de vocês vem a caminho! Não é bárbaro!?
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Em janeiro de 2018, recebi a notícia de que vinha crescendo um curumim na barriga de sua mãe. Mas ela estava tão assustada que nem me deixou pular pelo meio da rua.
_  Schiiiiiisssshhhhh! me disse. Nada de contar pra ninguém. Só quando cumprir 3 meses. 
_ Heim?! T-r-e-s    m-e-s-e-s   sem poder contar, gritar, pular pelas ruas, comprar roupinhas?! E o que é que faço com essa alegria toda dentro de mim, sem ter por onde sair?!
Mas aguentei.
Aguentei quase. Porque comprei coisinhas e escondi no fundo do guarda roupa só pra mim. Adorava ver o enxovalzinho secreto que eu fui fazendo… hehehe!
A ela não disse nada, sabem como é sua mãe. Ela estava com medo de perder o bebê. E eu tinha que respeitar isso. 
Mas…. VIVA MEU CURUMIM!!!! Eu gritava dentro de casa.  
Dizia pra mim mesma no espelho: VOU SER VOVÓ!!!! VOU SER VOVÓ!
Então. 
A barriguinha dela começou a crescer, a crescer… sua mãe sempre cansada. Muito cansada, tadinha… mas meu curumim  estava firme e forte. Eu queria uma menina, mas todo mundo dizia que ia ser menino. Até o médico insinuou! 
Quando a notícia chegou e era mesmo minha bonequinha que vinha, vibrei! Já estava amando-o, fosse o que fosse, mas adorei que tenha sido ELA!. E foi assim. 
Desbordei de amor, de comprar coisas, de ler artigos sobre as novas regras de cuidar dos bebês, de costurar coisinhas… tanto que sua mãe pediu que eu parasse. “Pare, avó! Quero comprar coisas do meu gosto”, ela me disse.
Difícil, viu. Difícil. 

 

Só falta um mês para você chegar, meu amor. Sua mãe está linda, saudável, feliz. Sua casa já está pronta para que você venha iluminar tudo com a sua luz, seu tom, sua música. 

Escolhemos o fundo do mar para te receber em teu quartinho tão pequeno. Para te encher de ilusão e alegria com as cores e os bichos estranhos que habitam as águas. E também um mapa do mundo perfeito para te dar ganas de viajar, de explorar e ser aquilo que queira ser, por onde for…
Maya. Assim soará sua música. 
Na nossa cultura atual, é preciso ter um nome antes de ter uma alma, não como com os índios era. A cultura ocidental européia diz que a gente já nasce com alma.
Mas sabe uma coisa, querida? É tão comum ganhar nomezinhos durante a vida. Sua mãe mesmo ja ganhou vários: Loly, Carol, Nune, Lolypop, Bolinha, Bubú, Boo… hahahhahah. 
Nem sei ainda como vou te chamar… quando conheça tua alma vou saber.
Maya é um nome doce, bonito. Forte e doce, ao mesmo tempo.
Me sinto feliz com a sua chegada. Quero muito estar por perto para te ver mamar, dormir. Quero sentir o cheirinho da tua pele, segurar teus dedinhos… oh! que ganas tenho!
Assim, queridos. 
Estamos no final do Verão espanhol, ainda faz muitíssimo calor e estou já desejando que venha o Outono, com suas cores amarelas e marrons e suas brisas mais frescas. E você, Miniboo. ( Está vendo? Já tem nominho dengoso )
Eu chamava você assim antes que seus pais escolhessem seu nome. Miniboo.
Maya, querida… você vai amar as roupinhas que compramos para você. Vai ficar linda! E tudo tão mimoso, tão fofo, tão amoroso!
Agora, tenho mais vontade de escrever histórias para vocês. 
Tenho boas notícias. Encontrei um depoimento de uma das minhas tias, irmã de meu pai, sobre nossa família. E vou poder escrever mais sobre ela. Também recebi fotos antigas maravilhosas!
Não é uma boa notícia?
Tenho uma dúvida ainda, se vou criar um blog só para as Cartas aos Curumins, ou deixo mesmo aqui, como uma categoria do Língua de Mariposa, pois assim podemos acessar mais fácilmente os escritos sobre as minhas memórias afetivas com este país, a Espanha e com o Brasil.
 
Pensarei.
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Resgates do Cicatrizes da Mirada 7

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Resgates do Cicatrizes da Mirada 6

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Resgates do Cicatrizes da Mirada 5

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Resgates do Cicatrizes da Mirada 4

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Resgates do Cicatrizes da Mirada 3

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Como assim? Blog de novo?

Butterflies_and_Hurricanes__by_me3009Tenho sentido vontade de escrever mais, sair da teia das redes sociais, expressar com mais tempo e palavras os meus pensamentos e as minhas experiências. Já faz tempo que deixei meu país, minha familia e meus amigos para viver na Espanha uma história de amor. Tive a sorte de viver muitas outras histórias  com um bocado de gente legal aqui . Foi uma época bonita. O blog me ajudou muito a superar o banzo. Era minha janela para o Brasil e para muitos brasileiros que viviam fora, assim como eu.

Por motivos diversos esses blogs foram extintos. Tentei, e consegui um pouco, recuperar arquivos, mas as fotos foi um tanto mais difícil.

Dia desses, remexendo cds de backup, encontrei uns 60 posts guardados, os primeiros. Que alegria!

Então, abri uma categoria nova. Chama-se Resgates do Cicatrizes da Mirada. Vou publicar o que puder, mais para poder ter tudo que escrevi em um só lugar. Estou feliz com isso.

Vou começar.

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Bolo de Noiva

Queridos amigos, encontrei essa maravilha de reportagem e trouxe-a para meu blog. Não podemos perdê-la.

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Com massa escura de frutas e vinho, bolo de noiva é típico de Pernambuco

Receita é adaptação do bolo de frutas trazido pelos colonizadores ingleses.
Encontrada em todo o estado, releitura não se espalhou pelo Brasil.

Marina Barbosa

Bolo de noiva pernambucano tem massa escura encorpada que leva ameixa, frutas cristalizadas e vinho. Receita é coberta por glacê e, por vezes, leva camada de marzipã (Foto: Marina Barbosa / G1)Bolo de noiva pernambucano tem massa escura encorpada que leva ameixa, frutas cristalizadas e vinho. Receita é coberta por glacê e, por vezes, leva camada de marzipã. (Foto: Marina Barbosa / G1)

Nos casamentos pernambucanos, o bolo é escuro e tem a massa encorpada. Ninguém se espanta quando a noiva corta o glacê claro e serve uma fatia de cor oposta à do seu vestido. Mas a tradição surpreende quem vem de fora. O bolo de noiva que leva vinho, ameixa e frutas cristalizadas nasceu em Pernambuco e é um diferencial das cerimônias locais. A receita é obrigatória, sobretudo neste Mês das Noivas. Mas, nos outros estados do Brasil, é o bolo branco herdado dos portugueses que coroa as comemorações nupciais.

A professora de pâtisserie Cristianne Barros explica que o bolo típico dos casamentos pernambucanos é uma releitura da receita trazida para o estado pelos colonizadores ingleses. “Acredita-se que este bolo surgiu de uma adaptação do bolo de origem britânica, com a colonização dos ingleses em Pernambuco. Era uma receita de bolo branco com frutas cristalizadas e vinho que foi adaptada nas cozinhas senhoriais dos grandes engenhos de açúcar, onde era comum a adição de ingredientes nativos às receitas de família”, explica. Dessa forma, as frutas britânicas foram substituídas pelas frutas locais. A cereja foi trocada pela ameixa e passas foram acrescidas às frutas cristalizadas. O vinho do Porto, que era caro, também foi trocado pelo vinho moscatel.

Frutas cristalizadas, ameixa e vinho são o diferencial da receita pernambucana (Foto: Marina Barbosa / G1)
Frutas cristalizadas, ameixa, passas e vinho são diferencial da receita estadual. (Foto: Marina Barbosa / G1)

E, como todo bom pernambucano não dispensa um toque extra de açúcar, a receita ainda ganhou uma cobertura de glacê, que hoje também concede ao bolo de cada casamento uma decoração singular. “A riqueza do açúcar no Nordeste, fato descrito pelo escritor e sociólogo Gilberto Freyre em sua obra ‘Açúcar’, relata uma cultura de abundância de açúcar nas preparações da confeitaria pernambucana, tornando-a a mais doce do país. Por este motivo, a este tipo de bolo foi acrescida uma cobertura de açúcar muito conhecida como glacê branco ou  glacê mármore, feita com base de claras, açúcar de confeiteiro e suco de limão”, conta Cris Barros. Com o tempo, também tornou-se normal encontrar uma camada de marzipã — doce de amêndoas moídas — entre a massa de frutas e a cobertura de açúcar.

Bolo de noiva é servido com cobertura de glacê que oferece uma decoração única para cada produto. Esses foram confeitados por Jane Asfora, uma das boleiras mais tradicionais do Recife (Foto: Marina Barbosa / G1)
Bolo de noiva é servido com cobertura de glacê que oferece uma decoração única para cada produto. Esses foram confeitados por Jane Asfora, uma das boleiras mais tradicionais do Recife. (Foto: Marina Barbosa / G1)

A adaptação do bolo britânico acabou, então, ganhando vida própria. A receita reinventou-se no estado, transformando-se em um bem da culinária pernambucana. Hoje, parece não haver casamento que não reserve uma mesa especial para o bolo por aqui. O doce é consumido até em outras festas, como aniversários e batismos. Ainda há a tradição de guardar um pedaço do bolo do casamento para comer um ano após a celebração. Guardado no congelador, ele não estraga porque o vinho contribui para sua conservação, segundo Cris Barros.

O quitute chega até a ser exportado pelos pernambucanos que moram e casam em outros estados. A família Asfora, tradicional no preparo do bolo no Recife, é uma das que levam o produto para fora. “Antigamente, o bolo ia em aviões de frete. Mas hoje esses aviões rodam muito antes de chegar ao destino final. Por isso, alguns bolos acabaram quebrando. Ficamos tristes e cancelamos as exportações. Mesmo assim, ainda tem quem faça questão de ter este bolo no casamento. Então, eles pagam a passagem de avião e nós vamos, já com a massa pronta, preparar o bolo no local da festa. Assim que acabamos, voltamos para o Recife”, conta Jane Asfora, que leva o negócio com a irmã Eliane desde a morte da mãe Leni, fundadora da tradição.

Cris Barros faz questão de ensinar receita tradicional aos alunos para perpetuar tradição (Foto: Marina Barbosa / G1)
Cris Barros ensina receita típica a alunos a fim
de perpetuar tradição. (Foto: Marina Barbosa / G1)

“Este é um bolo tipicamente pernambucano. É servido em todas as regiões do estado, mas não é encontrado no restante do país. Só ouvimos falar de bolos como esse raras vezes em João Pessoa, talvez porque seja muito próximo do Recife”, explica Cris Barros. “O tradicional bolo de noiva pernambucano se diferencia dos demais estados brasileiros, por conter massa escura feita com base de ameixa, passas e frutas cristalizadas, deixadas de molho no vinho. Enquanto isso, em outros estados, o bolo é feito de massa branca, ou seja, massa de pão de ló amanteigado com diversos recheios”, completa a professora. É por isso que Cris faz questão de dedicar uma lição inteira do curso de gastronomia do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) para o bolo de noiva. “Quero que os novos alunos aprendam a receita para garantir a permanência desta tradição”, explica.

Mas a professora lembra que a receita tradicionalmente pernambucana também ganhou adaptações ao longo do tempo. No Agreste, por exemplo, é comum incorporar doce de goiaba à massa de frutas. E quem não gosta de frutas cristalizadas ainda pode optar por uma massa feita exclusivamente de ameixa. A decoração também reinventou-se e hoje já há bolos que não são totalmente cobertos pelo glacê branco. São os chamados naked cakes, que alternam o glacê com partes aparentes de massa escura. Para Cris, a tendência já é um sucesso na confeitaria moderna e ganha cada vez mais adeptos porque confere um tom diferente de sofisticação ao bolo.

Naked cakes alternam cobertura de glacê com partes aparentes da massa escura de frutas e vinho, dando uma nova cara ao bolo de noiva tipicamente pernambucano. Esses foram feitos por Cristianne Barros (Foto: Marina Barbosa / G1)
Naked cakes alternam cobertura de glacê com partes aparentes da massa escura, dando nova cara ao bolo de noiva pernambucano. Esses foram feitos pela professora Cristianne Barros. (Foto: Marina Barbosa / G1)

Famosa no Recife por produzir o tradicional bolo de noiva desde a década de 1950, a família Asfora diz que é a responsável pela criação do bolo de ameixa. Mas as herdeiras de Leni Asfora fazem questão de lembrar que esta é a única adaptação da receita na casa. Todos os outros bolos são preparados no modo tradicional. As únicas adaptações são aquelas que fizeram a receita se consagrar nas mãos de Leni Asfora. “O bolo sempre foi feito em família. Mamãe passava os dias cozinhando e nós acabamos aprendendo. Quando ela faleceu, em 1992, assumimos a cozinha para manter a tradição. A receita leva todos os ingredientes tradicionais, mas é uma receita de família, com os segredos de mamãe. Ela aprimorou o preparo do bolo e nós não contamos esses detalhes para ninguém”, diz Jane Asfora, afirmando que este é o sucesso da família na empreitada.

As irmãs Asfora também se orgulham em dizer que mantêm o preparo artesanal do bolo, que ainda é feito na mesma casa em que a mãe vivia, no Derby, área central do Recife. Mesmo aos 71 e 64 anos, as duas cuidam de tudo sozinhas, desde a separação das frutas até a confeitaria. O trabalho, diz Jane, as mantêm junto da mãe. “Ela tinha um amor muito grande por isso e nos transmitiu. Fazendo isso, também sentimos que ficamos perto dela. Cada cliente antiga que chega e fala dos bolos que mamãe fez nos deixa ainda mais orgulhosa dela”, afirma.

Jane Asfora, 71, mantém a tradição da mãe com a irmã Eliane. As duas preservam receita tradicional e preparo artesanal (Foto: Marina Barbosa / G1)Jane Asfora, 71, mantém a tradição deixada pela da mãe com a irmã Eliane, 64, na mesma casa em que moravam na infância, no Recife. Elas ainda preservam receita tradicional e preparo artesanal do bolo.
(Foto: Marina Barbosa / G1)

Já que as irmãs não revelam o segredo do seu bolo para ninguém, o G1 pediu que a professora Cristianne Barros ensinasse a receita tradicional do bolo de noiva. Ela lembra que a receita é trabalhosa. Só as frutas precisam passar 48 horas marinando no vinho para ficar com o gosto acentuado. Ainda é preciso preparar o doce de ameixa antes de botar a mão na massa. Terminado o processo, o cozimento dura até cinco horas. Mas Cris gosta de ensinar a receita. Segundo ela, é o modo de perpetuar a tradição. Acompanhe o passo a passo em fotos clicando aqui.

Confira a receita do bolo de noiva pernambucano da professora de pâtisserie Cristianne Barros

>> Ingredientes

500 g de manteiga
500 g de açúcar mascavo ou demerara
6 ovos inteiros
500 ml de vinho do porto ou 750 ml de vinho moscatel
500 g de frutas cristalizadas
500 a 700 g de ameixas sem caroço
500 g de passas sem sementes
500 g de farinha de trigo
100 g de cacau em pó (opcional)
2 g de sal
15 g de bicarbonato de sódio
100 g de cacau em pó 50% cacau (opcional)
20 g de fermento químico
2 g de noz moscada em pó

>> Modo de preparo

1) Para o doce de ameixa, separe 750 g de ameixa, 200g de água (ou até cobrir a quantidade de ameixa) e 200 g de açúcar
2) Deixe as passas e as frutas de molho no vinho por no mínimo 48 horas, o ideal é de 5 a 7 dias. O vinho do Porto pode ser substituído por vinho moscatel. Nesse caso, é aconselhável fazer a redução dele para que o mesmo fique mais encorpado, agregando mais sabor
3) Bata a manteiga com o açúcar por 5 minutos ou até o creme ficar esbranquiçado
4) Junte os ovos e bata a massa até ficar homogênea
5) Acrescente o doce de ameixa. Aos poucos, vá acrescendo os demais ingredientes secos
6) Intervale a colocação dos ingredientes secos com o vinho
7) Junte as passas e as frutas cristalizadas bem trituradas. Pode-se triturar a metade e colocar a outra parte inteira
8) Aqueça o forno em temperatura média a 180°C .Unte e esfarinhe a forma redonda e alta de 26 cm de diâmetro. Não é necessário untar aas laterais, evitando assim que o bolo tenha partes desiguais
9) Asse em média por 55 minutos ou até que, ao espetar um palito, ele saia limpo. Ou, se preferir, asse em banho-maria no forno a 180°C. Nessa cocção serão necessárias, em média, 3 a 4 horas para que o bolo fique totalmente assado e obtenha uma textura molhada

 

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Alive Inside. Nossa memória musical é imborrável.

Outro dia  fiz uma maldade comigo. Assisti Still Alice .           

Em português é Simplesmente Alice. A história de uma professora universitária que desenvolve um tipo de Alzheimer precoce e agressivo. Se eu já morro de medo desse bicho, naquela noite não dormi. No dia seguinte estava triste, sem energia. É uma doença tão cruel!

Quando a minha mãe foi virando casca, eu tentava conversar contando-lhe suas proprias histórias. Escolhia as boas, as engraçadas, as que ela sempre repetia. Ela reagia, no início.

Depois, quando ela foi apagando, eu cantava. ” Onde você estiver, não se esqueça de mim… eu quero apenas estar no seu pensamento. Por um momento pensar que você pensa em mim…”  E botava as músicas que ela gostava de ouvir. Rachmaninoff, Mozart, Paganini.

Sua expressão mudava. Eu via, mas nesta época ela já estava muito longe e atravessar o túnel era muito difícil. Eu achava que a música chegava onde ela se escondia, mas não estava segura. Agora estou. Me alegro por ter dado a ela seus últimos momentos consigo mesma. Um amigo me indicou um documentário maravilhoso chamado Alive Inside. Não deixem de ver!

Desde que o vi, fiz minha lista. Vou dar a meu irmão, a Pepe e a minha filha, por se acaso me esqueço de mim. Que Deus me proteja!

E você, qual seria sua lista? Faça uma.

Alive Inside. Nossa memória musical é imborrável.

(Click e veja um pequeno vídeo)

 

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El Soldadito de Plomo


Um bar e cafeteria lindo em Cartagena! Cada cantinho uma descoberta.A mesa pode ser uma maleta antiga e o sofá uma banheira cortada cheia de almofadas ou a mesa pode ser uma janela velha, aproveitada de alguma antiga construção demolida. São muitas em Cartagena. Os sobrados antigos e mal conservados são derrubados e ficam apenas as fachadas, para manterem o desenho original do edifício. 

Também são do brechó as diferentes cadeiras e poltronas do bar, dando a impressão de que a gente está em algum lugar do passado de alguém. 

A música é excelente. Oh! adorei a música. Muitas me lembraram  também o meu passado. Engraçado isso. Meu passado é todo musicado! Hahaha…E eu adoro isso.

 

Pois então… Como eu dizia, encontrei esse cantinho gostoso. Um lugar para tomar chá gelado de granada ou de framboesa e conversar baixinho. Onde tudo é diferente de tudo, mas cada tudo tem algo que a gente reconhece rebuscando na memória. Talvez da casa de um tia, da avó cheirosa, da casa do engenho da bisavó meio índia. Mas também da casa do avô meio alemão, da avó meio portuguesa.

Presente escondido numa esquina escondida dessa pequena cidade espanhola, a cafeteria – bar serve doces delicados, feitos em casa, chás gelados ou quentes, gin tônica com cardamomo, whiskinho, etc.  Ainda vou descobrir sua carta de ofertas, pouco a pouco. O inverno aí deve ser delicioso!

Me conquistou. Será meu lugar a partir de ontem.

Se chama El Soldadito de Plomo.

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Cartas aos Curumins. (3) Dia das Crianças.

Hoje é 12 Outubro de 2016, Cartagena, Espanha.
Queridos Curumins…
Hoje é Dia das Crianças no Brasil. E eu sem vontade de comemorar. Mas estou lutando contra o desencanto para poder contar a  vocês  como era esse dia na minha época.  Algo muito grave está acontecendo nesses últimos dois anos em meu país. Prefiro não conversar sobre isso agora, mas sei que as crianças brasileiras de hoje vão ter um futuro muito difícil pela frente.
Pois é… apesar da tristeza que me toma o peito, vou tentar.
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Quando eu era pequena, esperava este dia com muita ilusão. Dia de ganhar presentinhos e caramelos. Dia de brincar no parque ou na praia. Durante muito tempo minha mãe manteve esses mimos e mesmo quando já éramos adolescentes, ela sempre dava um jeitinho de fazer os saquinhos de bombons, comprar um livro, uma canetinha chinesa, uns papéis de carta coloridos…
Não sabíamos que enquanto nós vivíamos a ilusão da felicidade, nosso país sofria nas mãos de uma ditadura militar brutíssima, onde professores, estudantes, pais e mães eram torturados e assassinados em nome da ” Segurança Nacional”.  Recordo que aos 10 ou 12 anos, já sabia que corpos manietados e destroçados eram encontrados em matagais, enquanto que outros desapareciam para sempre. Tempos horríveis onde a censura atuava para que nada disso saísse na TV  nem nos grandes jornais. Quando saía algo, todos eram “terroristas muito perigosos” que haviam sido mortos por seus companheiros ou por resistirem à ordens de prisão. Isso aconteceu no Brasil de 1964 até 1993. Apesar de dizerem que a ditadura acabou antes, não é verdade. As mortes seguiram acontecendo até muito tempo depois da anistia e das primeiras eleições.
Agora, no Brasil, essa fase está prestes a recomeçar. Eles estão provocando com muita vontade. Sabem que as greves e as revoltas virão. Sabem que as pessoas com raiva nas ruas são capazes de tudo. Então eles vão poder justificar a violência do Estado. Essa é sua vocação. Eles amam o poder de humilhar e reprimir. Não posso nem falar que me arrepio.
Pois então, meus queridos, está complicado para mim conversar sobre outro tema, sem que este se interponha entre nós. Sou assim mesmo, sua mãe sabe. Ela tenta me proteger dessa dor, mas acho que ela me entende.
É preciso dar-me um tempo. Os acontecimentos políticos tem me causado erupções na pele, estresse e ansiedade. Vejam só que palavras mais difíceis. Aposto que sua mãe vai ter que explicar um pouco o que significam…. hahahaha!
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Vou voltar a falar sobre o Dia das Crianças. Não sei se ele existe em outros países, mas no meu Brasil era uma uma bonita festa. Ganhávamos balões coloridos e bombons, além de um presente. Em minha casa eram coisas simples e baratas. Meu irmão mais jovem ganhava um badoque ou uma pipa, o mais velho um peão ou bolinhas de gude, e eu um bambolê, um livro, canetas de todas as cores, lindas! Festa grande! Pular corda, jogar bola de gude, o jogo de pedrinhas no chão para recuperá-las de varias formas diferentes, amarelinha, queimado, jogo do anel, mímica, palavras cruzadas, batalha naval, gamão… Era tudo tão diferente dos jogos de hoje! Estávamos quase o tempo todo no jardim, na rua, no terraço. Brincávamos com toda a vizinhança.
Presentes mais caros só no dia do aniversário e olhe lá.  Uma bicicleta, uns patins, esses tinham que durar anos. Nada era descartável. Tudo tinha conserto. As roupas passavam dos mais velhos para os mais jovens e as mães do bairro onde eu morava contratavam costureiras para fazerem as roupas de seus filhos. Comprar roupa pronta era coisa para dia de Natal ou festa de casamento.
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Um dos presente que mais gostei do Dia das Crianças veio de minha mãe. Era um grande e grosso caderno de capa dura que ela disse que seria mágico, porque nele eu poderia guardar tudo o que eu gostasse. Poesias, desenhos, frases, figuras recortadas das revistas, etc. Poderia escrever minhas próprias poesias e pensamentos. E também poderia fazer uma lista dos livros que eu lia, igual a que ela fazia. Adorei a ideia. Durante muitos anos esse foi meu mais íntimo aliado. Estava sempre com ele pela casa.  Pouco a pouco o caderno foi engordando e ficando cada vez mais difícil de fechar, troncho, mas eu o amava.
Ele morreu quando uma grande inundação do rio invadiu a nossa casa. Que sofrimento! Foi como viver a morte de um amigo. Não podia acreditar que ele havia derretido na lama podre que invadiu a nossa casa. Não me perdoava por não tê-lo salvado.
Passei anos sem querer fazer outro, até que comecei a amar o cinema e me inspirei nele para fazer um menorzinho e mais magrinho com a lista de filmes que eu via… e eram muitos. As poesias voltaram, os textos e as frases roubadas dos livros que eu lia… mas nada se comparou nunca ao primeiro. Sempre me lembrarei dele, de seu formato distorcido pela grande quantidade de tesouros que guardava.
Também perdi o magrinho e muitos dos meus tesouros se foram nas constantes enchentes que afogaram o Poço da Panela naquela época. Mas a alma do presente sempre permaneceu viva dentro do meu coração. E, vejam só, depois de tantos anos, ganhei de presente de um linda e querida prima, Paula Fontenelle, um blog. Para escrever, guardar, compartilhar meus pensamentos e minhas estórias, como antes. Guardar as poesias, os filmes, os livros.
Maravilhoso blog. Chamava-se Impressões. Pensei que nunca mais meus tesouros desapareceriam. Ledo engano. Eles também sumiram, desapareceram por alguma arte do improvável. Construí outro que chamei de Cicatrizes da Mirada. Também se foi. Aprendi, finalmente, que não há “para sempre” nesse universo. Nunca mais fiz listas. Nunca mais esperei que meus tesouros fossem eternos.
Queridos, Curumins… é preciso saber disso muito cedo. Para entender que o tempo não para. Que as coisas ruins passarão, assim como as boas… que a gente não vai poder guardar as boas coisas  que nos acontecem, exceto no fundo do coração. E não vale a pena guardar as ruins porque assim a gente vai ficar sem lugar no coração para o que realmente vale a pena na vida.
Nisso estou treinando o meu agora… a gente nunca deixa de aprender e precisar limpar o coração…
Meu país vai sair desse triste momento e eu espero que seja logo porque quanto mais durar mais gente vai sofrer. E eu já estou tirando a tristeza de dentro do peito e voltando a apreciar as coisas boas que a vida me dá. Uma delas é essa bela ideia de escrever para vocês me lerem num futuro que eu desconheço.
Beijinhos, queridos.
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Pueblos da Espanha.

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Uma das delícias de viver na Espanha é viajar pelos pequenos pueblos espalhados pelas suas montanhas ou banhados pelas águas dos seus dois mares. A costa Este, pelo Mediterrâneo. As costas Oeste e Norte, pelo Atlântico.
Sinto-me uma privilegiada por poder desfrutar, sem gastar muito dinheiro, dessas pequenas pérolas que a gente encontra por qualquer estrada que escolha.
Pois é…foi assim que conheci um lugar chamado Mojácar, quase por acaso.
Fomos visitar uma prima na província de Almeria, Andaluzia, e ela nos sugeriu passar o dia em Mojácar, já que no final do verão não há mais tanta gente apinhada nos bares e hotéis nem nas lojas e restaurantes. Muito mais gostoso para passear, conhecer os recantos bucólicos e passar bem sem a agonia causada pelo excessivo calor e demasiada gente. O outro lado da moeda é que as lojas fecham para la siesta. E essa é uma hora larga. Fecham as 13:30hs e só abrem as 17:00hs.
Bom, isso é normal nos pueblos, pois as pessoas comem em casa e o sol não ajuda o cliente a se aventurar pelas ruas… exceto os vermelhos e asssados turistas que se deleitam com o sol inclemente a qualquer hora do dia.
Para quem gosta de feiras de antiguidades, é só ir aos domingos e se deleitar com uma enorme quantidade de bugigangas, roupas, objetos de corda, cestos…
Eu adoro.
mojacar-puebloO centro histórico é lindo, repleto de ruazinhas estreitas e escarpadas, cheias de escadinhas e recantos encantadores.  Há também marcas e lendas de batalhas entre os vários povos que já  dominaram a região. E naturalmente, um castelo. Um Pueblo com castelo é muito mais interessante.
Foi povoada por Fenícios, Cartagineses, Romanos, Suevos, Vândalos, Alanos, Visigodos, Árabes.  Tem de tudo nos museus desta região e muita , muita história! Mas  não se engane, quando a gente vai descendo a costa em direção às praias, vê a modernidade invadindo tudo. Condomínios e hotéis caros, bares, restaurantes, chiringuitos e as maravilhosas areias brancas cheias de turistas tardios, justo aquela gente que eu falei acima, os bronzeados povos do norte da Europa, com seus cabelos vermelhos ou quase brancos.
Tem gente que reclama do excesso de turistas. A mim não incomodam. Se eu fosse eles estaria justamente aqui, tomando uma cerveja e muito sol. Na verdade, eu já não gosto de levar sol, sempre uso chapéu  até quando entro na água. Mas os coitados, passam quase o ano inteiro no frio e na sombra e quando chega o verão ficam alucinados com a luz e o céu da Espanha, seus preços (muito mais baratos do que em seus países), sua gente mais aberta, mais amigável e risonha, suas ruas repletas de  tesouros interessantes a descobrir, artesanatos ou joias em prata e ouro, cerâmicas coloridas ou espadas e outros objetos medievais , obras de arte e música flamenca.
É bom que venham, geram muitos empregos e deixam muito dinheiro.
A Espanha é fascinante para todos, inclusive para os espanhóis. É fácil encontrar pelos pueblos uma quantidade muito importante de turistas internos.
Mojácar tem marcas e cicatrizes que vem desde a pre-história. Foram encontrados muitos objetos que testificam a presença de Neandertais nas cavernas da região. Há muitas por toda parte que provam essa teoria, com inúmeros objetos descobertos de todas as “idades”. Mas eu, neste blog, não pretendo me meter a contar sua história detalhada. Gosto mais de mostrar seu encanto, seus cheiros, suas comidas… uma ou outra lenda, que dá gosto e cor ao lugar.
Uma lenda de Mojácar interessante é que eles dizem que Walt Disney é filho ilegítimo de uma lavadeira e um médico desta cidade lá pelo ano 1901. Que ela foi para os EUA e deu o filho em adoção. Eles sabem até o nome da criatura: José Guirao Zamora. Isso quer dizer que Walt se chamava Pepe. Que tal?
Existem umas histórias que eu gosto muito sobre um prefeito dos anos sessenta, que encontrando a cidade destroçada e sem dinheiro, começou a oferecer às pessoas casas semi destruídas, negócios quase sem impostos, etc. Isso atraiu gente interessada em viver perto do mar e longe das grandes cidades. Pintores, poetas, escritores, intelectuais e negociantes com vontade de investir pouco e ter um lugar com charme e história para viver e criar seus filhos.
A cidade começou a renascer das cinzas e a atrair o turismo, que trouxe mais hotéis e mais negócios. Desde então as casas que se penduram na colina onde se ancla a cidade velha estão todas pintadinhas de branco, como quase todos os pueblos bonitos de Andaluzia e muito bem recuperadas. Desde a estrada já se vê a beleza que ela encerra… (claro, se você for condescendente com alguns feios hotéis que a toda custa querem estragar a paisagem).
indaloUma outra coisa interessante do lugar é seu símbolo. Uma figura rupestre, encontrada em uma das cavernas próximas ao lugar, chamada Índalo. É representada por uma figura humana com os braços e pernas abertos que sustenta um arco sobre sua cabeça. As figuras datam de 8500–3500 a. C. e foram declaradas “Patrimonio da Humanidade” pela UNESCO em 1998. Ainda não existe uma clareza sobre seu significado mas se estuda a criatura como um ser em comunhão com o céu e a terra. O círculo sendo considerado um arco íris, provocado pela chuva e o sol. Assim, o Índalo é considerado um amuleto que protege as casas das tempestades e as pessoas do mal olhado.
Essa figura foi encontrada em vários outras escavações arqueológicas pelo mundo afora, de forma que parece ser algum semideus, dizem. Poderia também ser apenas um homem com um arco, mas sem flecha de que valeria?
Hoje ele já é o simbolo de toda Almeria. É bem bonitinho. Os turistas gostam. Neste  link se pode ver umas fotos muito boas.
A outra coisa que adorei do lugar foi a comida. Estivemos em um restaurante familiar, bem na descida da rua que vai dar na praça principal. Comemos de maravilha. Camarão ao Curry, Cuscuz Marroquino, Paella… tudo fantástico. Não me lembro do nome do restaurante, mas vou tentar encontrar. Vale a pena.
Como quase todos os negócios turísticos, eles fecham no inverno e abrem de Maio a Outubro. Trabalham muitíssimo no verão… e podem se dar o luxo de descansar no inverno.
Quando você for visitar Mojácar, não desista da ideia ao vê-la pendurada na colina. Na primeira ladeira tem um elevador que deixa a gente bem no alto… e a vista vale a pena. O vento, a luz, os ruídos do passado espalhados pelo vale… fique um pouco ali, quieto, escutando e imaginando os povos que o habitaram…
Vá por mim.
Bem capaz de você querer ficar por lá mais tempo.
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Carta aos Curumins.(2) Os Nomes.

Hoje é 29 de Agosto de 2016, Cartagena, Espanha (2)

Queridos Curumins…

Antes de começar a falar de nós, preciso explicar o que é um curumim. Aposto que vocês não sabem.
Curumim é um índio pequenito que ainda não recebeu um nome. E como eu ainda não sei seus nomes, me lembrei de um livro que li no Brasil, muito bonito, escrito por um índio txucarramãe, chamado Kaká Werá Jecupé. Eu o conheci pessoalmente em Recife, no Brasil, e ele me autografou seu belo livro. Um dia eu vou dá-lo à sua mãe. O título é lindo também: Todas As Vezes Que Dissemos Adeus.
todas-as-vezes-que-dissemos-adeusMe emocionei muito quando o li pela primeira vez. Quem sabe, eu tenha a oportunidade de lê-lo em voz alta para vocês, em Português, se a sua mãe tiver a paciência e a vontade de falar com vocês em seu idioma natal.

Pois então… os pequenos curumins recebem apelidos de acordo com algum traço de sua personalidade e só depois que eles crescem é que vão receber um nome de verdade. Dizem que o apelido é bom porque protege o nome dos maus espíritos. Então, eles o mantém antes do principal nome, que só virá depois e que tem o tom de sua música interior. Este só será descoberto pelos sábios da tribo em um ritual que comunga com os quatros elementos do planeta: terra, agua, fogo, ar. São eles que nomeam o curumim. Eu acho isso uma tradição bonita. Imaginem se a gente pudesse escolher o próprio nome com 10 ou 12 anos! Quanta gente se chamaria diferente daquele nome que foi escolhido pelos seus pais ou parentes, só porque eles achavam bonito. E quanta gente poderia se livrar de nomes feios ou inventados pelos loucos pais!

Ah! Vocês nem sabem o que os pais brasileiros são capazes de fazer com seus filhos quando escolhem seus nomes. Tem cada loucura!
Existem várias histórias engraçadas sobre isso. Mas acho que os donos dos nomes não achavam nada divertido. Imagine uma pessoa se chamar 123 de Oliveira 4. Ou outro Jacinto Leite Aquino Rego. Ou ainda Barrigudinha Seleida.
Não deve ser fácil carregar nomes assim por toda a vida, não é?
Quando sua mãe nasceu, não tinha ainda um nome escolhido. Eu pensava em Luana, mas não estava segura. Todos pensavam que seria um menino e que se chamaria Rodrigo. Ninguém a esperava. Só decidi seu nome quando olhei o rostinho sereno, sem agonia, mas de olhos bem abertos, sem chorar nem nada. Tão linda! O médico me pegou de surpresa quando perguntou ” Como se chama?” e eu respondi sem pensar “Carolina”. E acho que foi um bonito tom e combinou com a música dela. Significa “mulher doce”, ” mulher forte”, “mulher do povo”. O meu nome, Nora, significa “honra”. “Luz”
E vocês? Sabem que significam seus nomes? Tenho certeza que sua mãe e seu pai escolheram com cuidado. Espero que meus curumins tenham nomes que sejam como sua música interior. Cada um com seu tom.
Olha aí… essas cartas prometem. Eu que vinha com uma idéia completamente diferente para escrever, acabei ficando só nos nossos nomes. Algo deve ter de importante nisso. Talvez para que tenham claro de onde vocês vem e como eram os povos e as tradições brasileiras antes que os europeus chegassem…
Até breve, curumins. (Na língua Tupi, falada até hoje pelos índios brasileiros, não existe “até breve”. Mas existe “nos encontraremos”.)
Jajo topata …

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A Mãe de Thomas Edison.

Certo dia, Thomas Edison chegou em casa com um bilhete para sua mãe.
Ele disse, “meu professor me deu este papel para entregar apenas a você .”
Os olhos da mãe lacrimejavam ao ler a carta e resolveu ler em voz alta para seu filho: “Seu filho é um gênio. Esta escola é muito pequena para ele e não tem suficiente professores ao seu nível para treiná-lo. Por favor, ensine-o você mesmo!!”
madresDepois de muitos anos, Edison veio a se tornar um dos maiores inventores do século.
Após o falecimento de sua mãe, resolveu arrumar a casa quando viu um papel dobrado no canto de uma gaveta.Ele pegou e abriu. Para sua surpresa era a antiga carta que seu professor havia mandado a sua mãe porém o conteúdo era outro que sua mãe leu anos atrás.
“Seu filho é confuso e tem problemas mentais.Não vamos deixá-lo vir mais à escola!!”
Edison chorou durante horas e então escreveu em seu diário:”Thomas Edison era uma criança confusa mas graças a uma mãe heroína e dedicada, tornou-se o génio do século.”
Existem certos momentos da vida onde é necessário mudar o “conteúdo da carta” para que o objetivo seja alcançado…

Li e amei. Uma  mãe especial para um filho especial. Que sorte ele teve! Porque tem gente ministrando Ritalina aos futuros gênios.

Quem sabe alguém está precisando ler algo assim…

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Cartas aos Curumins.(1) Uma Conversa com o Futuro.

Agosto de 2016. Cartagena /Espanha. (1)

Queridos…
Nem sei quantos vocês são, se são meninos ou meninas, se sabem ler em Português, como se chamam, qual a cor de seus olhos e de seus cabelos. Mas sei de antemão que são pessoinhas inteligentes e curiosas, como a sua mãe. Na verdade, não me importa muito saber isso agora, porque tenho certeza que sejam como forem vou amá-los muito. “Mais do que todos os universos!” Frase da sua mãe. Acreditem!
Meu desejo é deixar minhas lembranças registradas nas cartas, que pretendo, de vez em quando, escrever. Seria mesmo muito lindo que eu pudesse enviá-las pelo correio, de tecartas2.jpgmpos em tempos, só para imaginar ver vocês correndo até a caixa do correio e voltando para casa com as carinhas de alegria e fascinação que todos as crianças têm diante de uma nova estória.
E mais… sabendo que são as minhas e que contam um pouquinho das nossas vidas!
Não posso viajar ao futuro para vê-los agora mesmo, como nos filmes. Mas posso viajar ao passado através da minha memória e contar pequenos trechos de nossas vidas, de nossos lugares, de nossas pessoas.
Bem…isto não quer dizer que, de vez em quando, não possa aparecer um pedacinho de mata atlântica – uma autêntica floresta!- bruxas boas que sabem rezar simpatias, princesas e lordes, sapos e grilos, velhas histórias tão estranhas que vocês podem até pensar que eu inventei para divertir-los. Nada disso. Eu quero mesmo é que vocês saibam um pouco sobre mim e a maravilhosa casa onde cresci, sobre a nossa família, nossos amigos, nossas festas, nossos doces, nossa música. Algo sobre o Brasil através dos meus olhos.
Imaginei uma noite dessas em que a insônia nos faz pensar no desconhecido futuro ( sua mãe diria em Espanhol ” o futuro lejano”) que é muito provável que nasçam num outro país, falem um outro idioma, comam outros alimentos, cantem outras músicas infantis, conheçam outra história, outra cultura.
Fiquei com muita pena de, quem sabe, não poder contar as historias de família que os avós contam aos seus netos. Fiquei com pena que não pudessem saber sobre as suas origens sul americanas e brasileiras. Que nunca ficassem sabendo quem foram seus bisavós e tataravós, como viviam e o que pensavam.
Desde que vim morar fora do meu país, e isso aconteceu justamente quando eu já não tinha a quem perguntar, senti falta deste saber. Nas vezes em que voltei ao Brasil procurei as tias, irmãs do meu pai e fiz muitas perguntas, mas elas sabiam pouco. Da família de minha mãe eu já não sei onde encontrar ninguém e nem eles sabem de mim.
De qualquer forma, vou tentar desenhar um pequeno esboçode quem eles  foram. Talvez até possa colar uma ou outra foto e assim dar a vocês esse presente.
Sim, meus amores… considero essas cartas um presente. Daqueles maravilhosos presentes que não se pode comprar.
Não sei se um dia me conhecerão ou se eu estarei com a memória suficientemente fresca para recordar as tantas histórias que me foram contadas pela minha mãe (sua bisavó) e minhas tias, primos e primas. Gente que vocês nunca verão.
Talvez, e eu espero sinceramente que isso não aconteça, também eu já esteja escondida em algum lugar que ninguém alcança.
Mas não vamos pensar no meu futuro. Vamos pensar no meu presente. Esse é meu lema desde que cumpri os 45 anos de idade.
Me aguardem, meus amores…

Vai ser bárbaro contar a vocês tudo o que me passar pela cabeça.
Já pensaram que delícia conversar comigo através do tempo!?
Eu vou adorar!
Até breve.

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Sobre voltar…

Texto de Téta Barbosa (Blog Batida Salve Todos)

”O caminho de volta”

“Já estou voltando. Só tenho 37 anos e já estou fazendo o caminho de volta. Até o ano passado eu ainda estava indo. Indo morar no apartamento mais alto do prédio mais alto do bairro mais nobre. Indo comprar o carro do ano, a bolsa de marca, a roupa da moda. Claro que para isso, durante o caminho de ida, eu fazia hora extra, fazia serão, fazia dos fins de semana eternas segundas-feiras. Até que um dia, meu filho quase chamou a babá de mãe. Mas, com quase quarenta, eu estava chegando lá. Onde mesmo? No que ninguém conseguiu respocaminhonder, eu imaginei que quando chegasse lá ia ter uma placa com a palavra “fim”. Antes dela, avistei a placa de “retorno” e nela mesmo dei meia volta. Comprei uma casa no campo (maneira chique de falar, mas ela é no meio do mato mesmo). É longe que só a gota serena. Longe do prédio mais alto, do bairro mais chique, do carro mais novo, da hora extra, da babá quase mãe. Agora tenho menos dinheiro e mais filho. Menos marca e mais tempo. E não é que meus pais (que quando eu morava no bairro nobre me visitaram quatro vezes em quatro anos), agora vêm pra cá todo fim de semana? E meu filho anda de bicicleta, eu rego as plantas e meu marido descobriu que gosta de cozinhar (principalmente quando os ingredientes vêm da horta que ele mesmo plantou). Por aqui, quando chove, a Internet não chega. Fico torcendo que chova, porque é quando meu filho, espontaneamente (por falta do que fazer mesmo) abre um livro e, pasmem, lê. E no que alguém diz “a internet voltou!” já é tarde demais porque o livro já está melhor que o Facebook, o Twitter e o Orkut juntos. Aqui se chama “aldeia” e tal qual uma aldeia indígena, vira e mexe eu faço a dança da chuva, o chá com a planta, a rede de cama. No São João, assamos milho na fogueira. Aos domingos, converso com os vizinhos. Nas segundas, vou trabalhar, contando as horas para voltar. Aí eu me lembro da placa “retorno” e acho que nela deveria ter um subtítulo que diz assim: “retorno – última chance de você salvar sua vida!” Você provavelmente ainda está indo. Não é culpa sua. É culpa do comercial que disse: “Compre um e leve dois”. Nós, da banda de cá, esperamos sua visita. Porque sim, mais dia menos dia, você também vai querer fazer o caminho de volta.”

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Fiquei enamorada deste texto. Aliás, eu adoro ler a Teta Barbosa, porque ela parece estar conversando e tem um senso de humor que eu gosto muito.

Pois é… eu também fiz o caminho de volta. Já tinha quase chegado lá quando descobri que faltava muitas coisas mais ricas do que um traje de executiva, muito trabalho… e uma depressão. Demorei mais para criar coragem de voar. Já tinha 46 anos quando fiz uma travessia transatlântica e fui morar no meio do nada, na Espanha. Perto de Madrid mas não tão perto. Minha cidade mais próxima era Alcalá de Henares, onde nasceu Miguel de Cervantes, uma linda cidade medieval. Mas eu estava perto dele. E isso era o que eu queria. Plantamos tomates e pimentões, tivemos esquilos no jardim, corujas na árvore ao lado da janela, processionarias para perseguir nos pinos, pássaros barulhentos casando as cinco da manhã, frio e neve, chá na rede, silêncios imperdíveis no fim da tarde…

Valeu a pena. Todos vieram me visitar. Quase todos.

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